terça-feira, 6 de julho de 2021

Melhor fazer gastroplastia sem anel.

Sem constrangimento nenhum eu afirmo: hoje só fazemos cirurgia bariátricas pela técnica do bypass gástrico, sem anel. Em 2010 escrevi um artigo nesse blog onde ponderava o uso racional, algumas vezes colocava o anel, outras não, a depender da situação clínica e da motivação de cada paciente. Pode parecer aos olhos dos leigos que seja uma simples mudança de "gosto" ou "opção", como se muda de esportes, ou do tipo de roupas, enfim, da mesma maneira que mudamos em relação a muitos comportamentos nas diversas fases da vida. Não é. Vai além. É ciência baseada em evidências, em experimentos publicados após análises por especialistas. A medicina do hoje, amanhã certamente não será a mesma. Como a evolução está rápida, a percepção das mudanças fica mais notória. 

Decidi parar de colocar anéis de Silastic (esse é o nome do material, um tipo de silicone elástico) em 2015, quando possivelmente tenha atingido a marca de um dos maiores colocadores de anel do mundo, estimo que umas 8.000 cirurgias dessa técnica.  Baseei-me na minha própria tese de doutorado na UNESP em Botucatu, comparando aleatoriamente duzentos pacientes com anel e outros duzentos sem anel. Analisamos as complicações, a evolução do emagrecimento, a ocorrência de complicações (incluindo a frequência de vômitos) e a qualidade de vida após dois anos. Com anel aparentemente emagrece um pouco mais, mantém um pouco mais o peso emagrecido, tem boa avaliação de qualidade de vida e um índice de complicações relativamente baixo, mas com certeza tem muito mais vômitos e intolerâncias alimentares. As complicações do anel, a erosão para dentro do estômago e a migração (alguns centímetros) para a alça intestinal que foi utilizada no bypass, chegam a 2%. Relativamente baixa, mas incômoda. Os obesos que sempre sofreram de preconceitos, de toda natureza, passaram a ser torturados pelo familiares e conhecidos com as frases "que mandou operar?", "tá comendo demais", "não mudou a cabeça", "agora se vira com a gastroplastia"... O bulling associado com a incidência real de problemas orgânicos com o anel, incomodava muito. Os cirurgiões, como eu, também sofríamos bulling dos outros cirurgiões bariátricos que nunca usaram o anel e preferiam ter uma perda de peso menor a ter que lidar com o pós-operatório do anel. 

Na época da mudança, quando deixei de utilizá-lo, estava se sedimentando as novas medidas do tamanhos das alças intestinas com que se constrói o Y de Roux, nome da técnica da reconstrução do trânsito alimentar após se grampear o estômago, deixando uma pequena câmara gástrica. Com o melhor entendimento da fisiologia hormonal da sinalização da fome e da saciedade e do metabolismo em geral, pudemos deixar as alças com medicas mais adequadas, um pouco mais longas. Assim, mesmo diminuindo a restrição alimentar devida a ausência do anel, as novas medidas dos comprimentos dos intestinos da reconstrução em Y favoreciam uma melhor resposta endócrina, gerando menos fome e mais saciedade. 

Seis anos após essa mudança, observando mais outros 3 mil pacientes, sinto-me satisfeito com os resultados. Todos bem? A maioria, noventa por cento. Ainda temos dez por cento de resultados bem ruins, pouco emagrecimento ou que voltaram a engordar. Espero que a medicina do amanhã também resolva isso.